As dores e as delícias de uma mamãe de primeira viagem...


sábado, 1 de setembro de 2007

Maternidade: direito ameaçado

Homenagear a mulher em prosa e versos, ninguém faz melhor do que os brasileiros. Ofensa pior é aquela que respinga na mãe. Paradoxalmente, o Brasil está entre os países de maior incidência de morte materna. É o quinto país sul-americano em mortes por complicações ligadas a gravidez. O mais revoltante é que mais de 90% destas mortes poderiam ser evitadas apenas com tratamento digno e adequado acompanhamento durante a gestação e o parto.

A estimativa é que, hoje, ocorrem pelo menos 137 óbitos durante a gestação, o parto e o puerpério, para cada cem mil nascidos vivos. De acordo com a OMS, o aceitável é no máximo dez mortes para cada cem mil nascimentos. Os dados constam do relatório final da CPI da Mortalidade Materna da Câmara dos Deputados, que investigou durante um ano e quatro meses a incidência de mortes relacionadas com a gravidez.

O pouco espaço que o relatório, apresentado recentemente, teve na Câmara e na imprensa comprova que ainda se dá pouco valor às questões ligadas à mulher. A constatação é avalizada pela OMS. Segundo a entidade, se as mortes maternas acontecessem de forma visível, provocariam um clamor popular em todos os países, mas “ocorrem em países pobres, em áreas periféricas e em mulheres socialmente marginalizadas e nunca estampadas nas primeiras páginas dos jornais”.

Gestações e partos mal conduzidos provocam ainda a morte de mais de quatro milhões de recém-nascidos a cada ano, no mundo, revela a OMS. Além de outros milhões de mulheres e bebês que sobrevivem com problemas de saúde duradouros e debilitantes. A grande maioria dos casos acontece em países subdesenvolvidos. Nos países desenvolvidos, as mortes maternas são cada vez mais raras, desde os anos 40.

No Brasil, a Constituição de 88 trouxe conquistas importantes no reconhecimento dos direitos e da igualdade entre homens e mulheres: a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo políticas sociais e econômicas para reduzir o risco de doenças. Passada mais de uma década, podemos reconhecer que houve progressos, mas não na medida que obriga a Constituição. Segundo dados levantados pela CPI, morrem anualmente entre três e cinco mil mulheres devido a complicações ligadas à gravidez, variando os coeficientes entre estados e regiões. No mundo são cerca de 585 mil por ano, de acordo com dados do Unicef de 1996.

As mulheres de baixa renda, com pouca escolaridade e sem ocupação definida são as mais atingidas, o que revela que o problema não é exclusivamente da área de saúde, e, sim, uma questão social, exigindo várias frentes de ação. Tanto que a mortalidade materna é considerada indicador mundial de subdesenvolvimento. Espelha profundas desigualdades sociais, desorganização e má qualidade da assistência prestada à saúde da mulher. Nem mesmo sabemos a real extensão da mortalidade materna em nosso país, o que é sinal de descaso. Um dos fatores é o mau preenchimento de atestados de óbitos.

E há descompasso entre as estatísticas: os dados recolhidos pela CPI mostram um número duas vezes maior do que o oficial. A eclâmpsia é a causa mais comum das mortes maternas no Brasil, seguida da hemorragia e do aborto e infeções puerperais. No mundo, segundo a OMS, a causa mais freqüente é a hemorragia. São vários os fatores que favorecem essas mortes. Além da falta de recursos para os cuidados básicos de saúde pública, estão baixa escolaridade, baixa renda da população feminina e formação acadêmica dos profissionais de saúde. Em países como o nosso, a má nutrição antes e durante a gravidez constitui um agravante das condições maternas.
Ao concluir os trabalhos, a CPI recomenda, entre outros pontos, reestruturação do SUS, que deve ser capacitado para prestar atendimento pleno e qualificado; treinamento de profissionais envolvidos com o atendimento da rede pública, com ênfase nos aspectos técnicos e éticos. Recomendamos ainda urgência na apreciação dos projetos que tratam da saúde da mulher, em particular o que estabelece tipificação criminal para médicos que não preenchem corretamente atestados de óbitos.

Do mesmo modo, é fundamental um reforço às iniciativas de erradicação da pobreza. São necessárias intervenções sanitárias e educacionais e medidas socioeconômicas. A CPI não tem como promover as mudanças que eliminarão a pobreza, desigualdade, exclusão, violência. Mas o primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo. Os próximos passos devem ser maiores, capazes de viabilizar a construção de uma sociedade mais solidária e menos cruel. Assim, mais lindamente ficarão as homenagens às mulheres em verso e prosa.


Laura Carneiro – Deputada Federal - Jornal O Globo de 23/11/2001

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